Interdisciplinaridade, complexidade, visão e pensamento sistêmicos são termos que compõem o nosso dia-a-dia do mundo universitário. Mas o que vêm a ser esses termos e até que ponto podem afetar o ambiente e a vida dos que vivem a universidade, discentes, docentes e funcionários, em meio ao compromisso com a trilogia da pesquisa, ensino e da extensão? Antes de mais nada, considere, leitor, este artigo com o primeiro de uma série que pretende questionar o conceito de universidade. Então vamos lá! Começamos pela complexidade, o que acham? Segundo Wikipedia, complexidade é a escola filosófica que vê o mundo como um todo indissociável e propõe uma abordagem multidisciplinar para a construção do conhecimento.
Contrapõe-se à causalidade por abordar os fenômenos como totalidade orgânica. Esta escola reúne muitos pensadores, como David Bohm, Edgar Morin, Edward Lorenz, Francisco Varela, Fritjof Capra, Geoffrey Chew, Gregory Bateson, Humberto Mariotti, Humberto Maturana, Ilya Prigogine, Lynn Margulis, Pedro Demo, Rupert entre outros.
De todos os citados o Filósofo e educador francês Edgard Morin tem um grande destaque, principalmente quando o assunto é educação. Segundo Morin, em seu livro Introdução ao Pensamento Complexo, “à primeira vista, a complexidade é um tecido (complexus: o que é tecido em conjunto) de constituintes heterogêneos inseparavelmente associados que coloca o paradoxo do uno e do múltiplo.
Na segunda abordagem, a complexidade é efetivamente o tecido de acontecimentos, ações, interações, retroações, determinações, acasos, que constituem o nosso mundo fenomenal.
Mas então a complexidade apresenta-se com os traços inquietantes da confusão, do inextricável, da desordem, da ambigüidade, da incerteza… Daí a necessidade, para o conhecimento, de se pôr ordem nos fenômenos, ao rejeitar a desordem, de afastar o incerto, isto é, de selecionar os elementos de ordem e de certeza, de retirar a ambigüidade, de clarificar, de distingüir, de hierarquizar… Mas tais operações necessárias à inteligibilidade, correm o risco de a tornarem cega se eliminar os outros caracteres do complexus; e, efetivamente, como o indiquei, elas tornam-nos cegos.” Nossa que complicado não?
De fato, é complicado sim e disso a gente já sabia, pois, o próprio nome “complexidade” preconiza um estudo para conhecer a sua função no complexo mundo das relações humanas. Mas o que isto tem a ver com a universidade? Bem, Morin nos coloca que a universidade deve conservar, memorizar, integrar e ritualizar uma herança cultural dos saberes, idéias e valores que ela necessariamente deve reexaminar, atualizar e transmitir constantemente. Para isso, ela precisa lançar mão de: 1) re-examinar os princípios do conhecimento, 2) reformar o pensamento clássico por um pensamento complexo que ligue, contextualize e globalize, 3) promover a transdisciplinaridade.
Com isso, Morin sugere o distanciamento dos velhos paradigmas do modelo cartesiano preconizado pelo Filósofo Frances René Descarte (1596-1650) e que até hoje é usado como base metodológica para muitas disciplinas da ciência. Apesar de encontrarmos mais adeptos à filosofia do Morin nas ciências sociais e da saúde, percebe-se que as ciências exatas ainda não a aderiram, apesar da falta de respostas aos desafios científicos e de o método cartesiano se mostrar insuficiente para encontrar tais respostas satisfatoriamente. A boa notícia é o surgimento, na década de 60, da “teoria do caos”. O que vem a ser essa teoria? A teoria do caos, foi criada na década de sessenta pelo cientista e meteorologista americano Edward Lorenz, do Instituto tecnológico de Massachusetts – MIT.
Ao simular padrões do clima em seu computador (de memória muito limitada), ele se deparou com uma restrição de memória durante o processamento e o seu programa travou. Lorenz, para não recomeçar o processamento da estaca zero e ganhar tempo, arredondou os números para três casas depois do zero ao invés de seis (0,123 ao invés de 0,123789 por exemplo). Ao rodar o programa de novo, foi tomar um cafezinho, quando voltou, teve um susto? O resultado ficou completamente diferente e os gráficos resultantes do processamento lembravam a figura de uma borboleta.
Em função dessa semelhança o nome do fenômeno passou a ser “Efeito Borboleta” e tudo isso sustentou o surgimento da “teoria do caos” que, de forma simplificada, postula que em um sistema caótico como o clima global por exemplo, pequenas perturbações no sistema podem produzir as vezes grandes transformações. Viu só?
É claro que a partir da descoberta de Lorenz, físicos e matemáticos se debruçaram em estudar o mesmo fenômeno, produzindo algumas pesquisas das quais emergiram novos ramos da ciência exata como, por exemplo, os sistemas adaptativos complexos ou ainda sistemas dinâmicos não lineares etc. A teoria do caos ficou mais popular a partir de 1987, quando James Gleik publicou seu best seller chamado “caos, construindo uma nova ciência”.
A partir desse marco, houve um cruzamento interessante entre os conceitos da teoria do caos e ciências humanas, como a administração por exemplo, que passou a usar a teoria de forma metafórica. Se a metáfora é um parâmetro para ciência ou não, essa é uma boa e longa discussão, mas quero adiantar que eu acredito que sim. Morin, em seu livro “educar na era planetária”, tenta fazer uma distinção entre os conceitos da complexidade como filosofia e a complexidade sob a ótica da teoria do caos argumentando que: “ o pensamento complexo compreende a ordem através de um conceito mais rico do que o da lei de determinismo, pois, para além dela, inclui as idéias de constrição, obrigatoriedade, estabilidade, Constância, regularidade, repetição, estrutura e invariabilidade.”
Pessoalmente, tenho a ousadia de discordar de Morin neste ponto, visto que, as teorias da matemática moderna e física (inclusive a quântica) levam em consideração todas as ponderações que ele apresenta para diferenciar a “Complexidade filosófica” da “teoria do caos” que ele denuncia como determinista. Ao meu ver, existem evidências científicas suficientes que podem sustentar a tese de Morin, mas, é inegável que as grandes conquistas científicas alcançadas desde o século XVII, devem muito ao método científico cartesiano, portanto, não podemos radicalizar e minimizar a importância do cartesianismo.
Nesse contexto, creio que a afirmação mais coerente é a de que o modelo cartesiano não apresenta respostas concretas a questões científicas atuais, principalmente em áreas de pesquisa como a genética, nanotecnologia, meteorologia, ecologia e física quântica, entre tantas outras que estudam o planeta e seus infinitos elementos interconectados na teia da vida.
Por outro lado, eu gostaria de observar que já há uma afinidade, mesmo que aparentemente metafórica, entre as ciências exatas e as humanas a respeito da complexidade em estudo de forma interdisciplinar, na sua plenitude filosófica e metodológica, em instituições sérias de ciência na era pós-moderna, como o Instituto de Santa Fé, nos Estados Unidos, onde grandes nomes da ciência da complexidade se encontram. Apenas para ilustração, um dos exemplos mais concretos dessa interação complexa é o nascimento da computação quântica que, por sua vez, gerou uma nova lógica que promete revolucionar a teoria e os sistemas de informação.
Veja bem, meu caro leitor, esse assunto dá pano para manga e ainda desperta paixões que aguçam um intenso debate científico. Por isso, quero provocar você para contestar e opinar mais sobre este assunto, principalmente agora que a universidade brasileira passa por um momento de reflexão e definição de seu novo modelo. Alem disso, restam boas perguntas para a nossa reflexão: como fica a universidade pós-moderna face a esta revolução conceitual? Como podemos trabalhar a interdisciplinaridade neste ambiente complexo e diverso? Que modelo de universidade devemos construir para ajudar nessa revolução? O que acha? Participe? Dê a sua contribuição?
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